Atualizado em 21 de novembro de 2023 por Caroline Speridião
Metáforas de interface são representações simbólicas que conectam conceitos e objetos do mundo real a interfaces digitais, ajudando usuários a entenderem uma interface. Alguns exemplos de metáforas de interface são: o ícone de pasta ( ) que representa um diretório de arquivos em um computador e o ícone de disquete
(
) que
representa o ato de salvar um arquivo. Neste artigo exploraremos a ideia de metáfora extrapolando-a para a ocupação territorial na internet: como os usuários compreendiam e ocupavam o espaço digital?
Os vernacu(lares) do Geocities
No caso do Geocities os websites dos usuários eram organizados por tópicos de interesse, em que cada assunto correspondia a um ‘bairro’: a ‘Area51’ era o ‘bairro’ de ficção científica; ‘CapitolHill’, política; ‘TimesSquare’, jogos eletrônicos; ‘Paris’, poesia e artes. Por conta das metáforas sendo utilizadas na plataforma, é possível que a associação entre geografia e ciberespaço feita pelo Geocities com sua arquitetura de informação tenha influenciado os usuários a ver seus websites como espaços em um território. Nos exemplos abaixo, podemos observar uma tendência à denominação do site pessoal como espaço físico: bem vindo ao meu lar, domínio, mundo, canto, refúgio.






Nem todas as páginas feitas no Geocities possuíam essa narrativa territorial, com outras possuindo títulos como “bem vindo à minha página inicial” e derivados, com ênfase na ideia do site como proxy da página impressa ao invés de canto do ciberespaço, uma ideia criticada por Yoshi Sodeoka da revista Word, cuja crítica é citada em um artigo do nosso site. Algumas páginas nem possuíam títulos, dependendo de imagens para comunicar as metáforas imaginadas pelo usuário para definir seu site. Dessa maneira podemos concluir que, enquanto os lares digitais eram muito presentes no Geocities, eles não representavam a plataforma em sua totalidade.

Para além das cidades virtuais
Em círculos profissionais, no entanto, a construção de páginas web pessoais era considerada vulgar, como um símbolo de amadorismo e kitsch, mesmo na infância da Web. Isso já mostrava a animosidade e rivalidade entre o mundo amador e o mundo institucional da web, exemplificada pela mordaz crítica de Tim Berners-Lee às homepages pessoais em 1997:
“Com todo o respeito, a homepage não é uma expressão privada; é um painel público em que pessoas se dedicam para falar no que estão interessadas. Isso não é tão interessante para mim quanto as pessoas utilizarem isso [a web] em suas vidas privadas. É exibicionismo. É abertura, são pessoas permitindo a entrada da comunidade em suas casas. Mas não são realmente suas casas. Elas podem chamá-la de home page, mas está mais para o gnomo no quintal de alguém do que a casa em si.”
Outros espaços virtuais populares na década de 1990 como o fórum e a sala de bate-papo também possuem metáforas territoriais claras, sendo ambientes virtuais em que pessoas se reúnem para discutir e trocar ideias.
O fórum online pode ser interpretado através de sua etimologia, que, do latim, significa lugar público. Dentro de um fórum, usuários discutem ideias e estabelecem suas presenças digitais com nicknames, avatares e assinaturas, sinalizando seu pertencimento e contribuição ao fórum sendo visitado.
Salas de bate-papo evocam através do próprio nome a noção de espaços compartilhados em que conversas acontecem em tempo real. Usuários adentram esses territórios para interagir, colaborar e formar conexões com outros usuários. As discussões costumam ser mais curtas que as discussões de um fórum, mas tal aspecto não reduz a relevância metafórica-espacial da sala. Salas de bate-papo dos anos 1990 como o The Palace de Jim Baumgardner, por exemplo, possuem metáforas de interface diretas com o mundo real, como o uso de avatares customizáveis e planos de fundo de lugares imitando o mundo real nas ‘salas’ de bate-papo. Tal conceito seria, em poucos anos, adotado por populares jogos MMORPG dos anos 2000 e 2010 como Habbo, Club Penguin e Pixie Hollow.


Tanto o território metafórico do fórum quanto o da sala de bate-papo oferecem oportunidades para indivíduos participarem em discussões, buscar conselhos, compartilhar conhecimento e construir relacionamentos, criando um senso de comunidade e engajamento no âmbito virtual.
A desconstrução do ciberespaço
Conforme avançamos no tempo, ocorrem transformações significativas no modo como usuários ocupam o território da internet. Com o surgimento de plataformas Web 2.0, o foco muda de sites individuais para plataformas interativas que facilitam a geração de conteúdo pelo usuário e interações sociais.
Com fronteiras territoriais menos definidas, usuários gravitavam em direção a redes e comunidades interconectadas ao invés de bairros virtuais isolados. Agora os usuários, presentes no espaço de maneira mais limitada, recorrem a fotos de perfil, fotos de fundo e mini biografias, refletindo suas individualidades dentro dos confinamentos dos parâmetros de design das plataformas.

Nichos da internet, como fandoms do Tumblr ou os vários “cantos” do TikTok, podem ser vistos através de metáforas territoriais. Esses espaços providenciam aos usuários diferentes comunidades relacionadas a seus interesses. Enquanto esses nichos podem ser vistos como espaços dentro das paisagens das redes sociais, a interface da rede social sendo usada não demonstra isso através de metáforas visuais nem encoraja a formação de comunidades para além da geração de conteúdo. É crucial reconhecer os aspectos negativos dos nichos online, particularmente quando tratam-se de echo-chambers e bolhas algorítmicas. Enquanto nichos têm o potencial de fomentar sensos de comunidade e pertencimento, eles também têm potencial isolacionista, além limitar a exposição de usuários a perspectivas diversas e propiciar o espalhamento de informações falsas. Conteúdos chocantes e polarizantes, por gerarem mais engajamento, têm maior potencial para viralização em redes sociais.
Suburbanidade na rede e a vigilância
A uniformidade das interfaces de mídia social pode causar aos usuários a impressão de estar passando por um corredor infinito. A ausência de identidades visuais distintas ou elementos de design individualizados pode causar um sentimento de monotonia enquanto os usuários passam por rios infinitos de conteúdo. Essa homogeneidade visual, enquanto causa uma experiência coesa, também é capaz de contribuir para a ideia de estar perdido em um mar de corredores idênticos, em que a individualidade e a singularidade dos territórios e comunidades criadas por usuários são ofuscadas e consideradas irrelevantes.
Nas redes sociais, usuários compartilham informações pessoais, fotos e atualizações, sentindo-se compelidos a se conformar às normas sociais para conseguir atenção e validação através de likes, comentários e seguidores. O design das plataformas atuais encoraja a auto-disciplina e, através do algoritmo e de escolhas de UX design, molda os comportamentos e interesses dos usuários. Isso é importante pois nos leva a pensar nos lugares de vigilância existentes na vida real e como eles têm relação com nossas experiências nas redes sociais.
Seguindo essa reflexão, uma metáfora territorial que pode ser vista nos padrões das redes sociais é a do Panóptico, um conceito de prisão criado pelo teórico Jeremy Bentham no século XVIII. O Panóptico consiste em uma estrutura carcerária
em que prisioneiros ficam sob constante vigilância de uma torre de observação central com um único guarda, criando um senso de vigilância e auto-regulação. Neste espaço metafórico, é possível argumentar que a torre de vigilância central
são as próprias empresas de tecnologia em posse dos dados dos usuários, os prisioneiros. Uma plataforma em ascensão recentemente chamada cohost, curiosamente, compartilha dessa visão, tendo como
uma ideia central o princípio: há valor em estar no mesmo lugar que todo mundo… mas ninguém quer um panóptico digital.

Outro aspecto territorial na web atual é a segmentação de espaços virtuais para atividades específicas, uma antítese do website pessoal multifuncional e eclético dos anos 1990.
“Para mostrar suas fotos, você vai ao Instagram. Para postar vídeos você vai ao Youtube. […] Para mensagens curtas você vai ao Twitter, para mensagens mais longas você vai para outro lugar. Não há a ideia de que uma coisa possa ser o que quiser, é exatamente o oposto.”
De modo a recuperar o controle sobre si na estrutura panóptica das redes sociais, usuários e a sociedade começaram, nos últimos anos, a questionar o papel dominante das redes sociais e explorar alternativas que priorizam a descentralização, data ownership e privacidade do usuário. O surgimento de sites nostálgicos, ou inspirados em plataformas existentes, como Neocities e cohost mostram uma tendência não só estética, mas também um desejo pelo reset sociocultural da web, algo que viabilize o fim da dominação de monopólios tecnológicos sobre nossos dados e vidas em plataformas visualmente estéreis e socialmente alienantes, permitindo um futuro digital em que internautas explorem e ocupem livremente territórios no ciberespaço de maneira independente.
Intervenções
Carol